Elaborada pelo Redário em parceria com o Comitê Técnico de Sementes Florestais da Associação Brasileira de Tecnologia de Sementes (ABRATES), a Nota Técnica “Desafios e oportunidades para o desenvolvimento da cadeia produtiva de sementes nativas para a restauração de ecossistemas no Brasil”, faz uma série de recomendações ao poder público para avançar na adequação da legislação vigente e garantir a restauração de ecossistemas com escala e qualidade, na velocidade que o planeta necessita. O documento foi lançado nesta segunda, 27, às vésperas da reunião da Comissão Nacional para Recuperação da Vegetação Nativa (CONAVEG), responsável por gerir a Política Nacional para Recuperação da Vegetação Nativa (PROVEG) e o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (PLANAVEG).
Na base da cadeia produtiva da restauração estão a coleta, o beneficiamento, o armazenamento e a comercialização de sementes de espécies nativas. Esses processos estão normatizados pela Lei 10.711/2003 e regulamentados pelo Decreto 10.586/2020, Instrução Normativa (IN) 17/2017, entre outras INs e Portarias. Entretanto, antes da comercialização das sementes, é exigido que se realizem análises da qualidade em laboratórios credenciados pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA). De acordo com a Nota, essa exigência esbarra em quatro problemas estruturais: “existem poucos laboratórios de sementes credenciados pelo MAPA para análise de espécies nativas; o tempo de espera do resultado da análise acarreta no atraso de todo o processo com a redução da viabilidade das sementes, prejudicando o plantio das sementes no período adequado; os custos associados às análises oneram o processo e podem inviabilizar financeiramente a operação para muitos coletores e redes de sementes; e há discrepância entre os resultados dos testes de laboratórios e o estabelecimento das plantas em campo”.
Representante da Sociedade Civil na CONAVEG, Rodrigo Junqueira explica que a legislação de sementes representa um obstáculo para o desenvolvimento da cadeia produtiva de sementes nativas e para a restauração no Brasil. “Ao contrário do que se busca para as sementes agrícolas, nas sementes com finalidade de restauração ecológica a homogeneidade não é desejável, e estas devem representar a maior diversidade possível. Portanto, defendemos que não devem estar sujeitas às mesmas restrições legais de produção e comercialização aplicadas às sementes agrícolas. Esperamos que as reflexões apresentadas nesta nota técnica sejam discutidas e consideradas pelas autoridades públicas. Destacamos a importância da Conaveg como um espaço fundamental para apresentar, discutir e encaminhar essas demandas, sendo vital para alcançar o ganho de escala necessário para cumprir as metas de restauração assumidas pelo país”, detalhou Junqueira que também assina a autoria da Nota Técnica.
Foto: Rodrigo Carvalho
Líder de Restauração na TNC Brasil, Rubens M. Benini, um dos autores da Nota Técnica, destaca a importância da restauração ecológica para mitigar os impactos da crise climática e pondera que não há motivos para impor às espécies nativas usadas para a restauração de áreas degradadas as mesmas exigências previstas às espécies de produção comercial.
“A restauração da vegetação nativa é das melhores formas de usar a natureza a nosso favor, pois combate a crise climática, mantém o regime de chuvas regulado e ajuda a conservar a biodiversidade, que estão entre os maiores desafios desse século. Para que a restauração ocorra na escala e velocidade que o mundo precisa, é fundamental termos insumos de qualidade. Nesse sentido, destravar os entraves que atualmente nos impedem de termos sementes de espécies nativas disponíveis, é urgente. Não há porquê dar o mesmo tratamento às sementes nativas e às espécies que visam produção comercial. Os objetivos são distintos, a metodologia deve ser adaptada”, afirmou.
A Nota Técnica destaca oportunidades para viabilizar a cadeia produtiva de sementes nativas, especialmente para grupos e redes de coletores de sementes de base comunitária, compostos por agricultores familiares, comunidades tradicionais e indígenas e assentados da reforma agrária. “Ao apontar os gargalos que travam a cadeia de produção de sementes nativas no Brasil, a Nota Técnica revela como a legislação inviabiliza a comercialização de espécies raras e a participação da agricultura familiar, das populações tradicionais que atuam nesta cadeia da restauração. É importante ressaltar que essas comunidades têm uma importância estratégica por conservar os territórios e os conhecimentos associados às espécies nativas. E ao mesmo tempo que a nota traz onde estão esses gargalos, o documento também traz soluções que podem deslanchar e a restauração com impactos sociais e ambientais positivos no Brasil”, avalia Eduardo Malta, Coordenador do Redário.
Integrante do Grupo de Trabalho de Pesquisa do Redário, vice-presidente e responsável pela pesquisa e desenvolvimento da Rede de Sementes do Cerrado (RSC), Anabele Gomes, uma das autoras da Nota Técnica, reforça a importância do documento para a pesquisa acadêmica. “Esta nota proporciona a oportunidade de utilizar os dados provenientes de pesquisas acadêmicas para direcionar as análises de qualidade das sementes, além de desenvolver metodologias mais rápidas, acessíveis e exequíveis para os grupos de coletores de sementes. Além disso, nosso objetivo é destacar a importância de investimentos direcionados para pesquisas relacionadas às espécies nativas, contribuindo assim para a preservação e valorização da biodiversidade”, acrescenta.
A nota conta com autoria de diversos pesquisadores e recebe apoio da Sociedade Brasileira de Restauração Ecológica (SOBRE) e pelos principais movimentos de Restauração no Brasil: Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, Aliança pela Restauração na Amazônia, Araticum - Articulação pela Restauração do Cerrado e Rede Sul de Restauração Ecológica.
Leia o documento completo: Nota Técnica ‘Desafios e oportunidades para o desenvolvimento da cadeia produtiva de sementes nativas para a restauração de ecossistemas no Brasil’
Publicado em 28/11/2023